domingo, 26 de abril de 2009

O Senso Comum e a Ciência

A.1 O que é que as pessoas comuns pensam quando as palavras ciência ou cientista são mencionadas? Faça você mesmo um exercício. Feche os olhos e veja que imagens vêm à sua mente.
A.2 As imagens mais comuns são as seguintes:
• o gênio louco, que inventa coisas fantásticas;
• o tipo excêntrico, ex-cêntrico, fora do centro, manso, distraído;
• o indivíduo que pensa o tempo todo sobre fórmulas incompreensíveis ao comum dos mortais;
• alguém que fala com autoridade, que sabe sobre que está falando, a quem os outros devem ouvir e ... obedecer.
A.3 Veja as imagens da ciência e do cientista que aparecem na televisão. Os agentes de propaganda não são bobos. Se eles usam tais imagens é porque eles sabem que elas são eficientes para desencadear decisões e comportamentos. É o que foi dito antes: cientista tem autoridade, sabe sobre o que está falando e os outros devem ouvi-lo e obedecê-lo. Daí que imagem de ciência e cientista pode e é usada para ajudar a vender cigarro. Veja, por exemplo, os novos tipos de cigarro, produzidos cientificamente. E os laboratórios, microscópios e cientistas de aventais imaculadamente brancos enchem os olhos e a cabeça dos telespectadores. E há cientistas que anunciam pasta de dente, remédios para caspa, varizes, e assim por diante.
A.4 O cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência. Se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam. Quando o médico lhe dá uma receita você faz perguntas? Sabe como os medicamentos funcionam? Será que você se pergunta se o médico sabe como os medicamentos funcionam? Ele manda, a gente compra e toma. Não pensamos. Obedecemos. Não precisamos pensar, porque acreditamos que há indivíduos especializados e competentes em pensar. Pagamos para que ele pense por nós. E depois ainda dizem por aí que vivemos em uma civilização científica... O que eu disse dos médicos você pode aplicar a tudo. Os economistas tomam decisões e temos de obedecer. Os engenheiros e urbanistas dizem como devem ser as nossas cidades, e assim acontece. Dizem que o álcool será a solução para que nossos automóveis continuem a trafegar, e a agricultura se altera para que a palavra dos técnicos se cumpra. Afinal de contas, para que serve a nossa cabeça? Ainda podemos pensar? Adianta pensar?

Rubem Alves - Filosofia da Ciência